Tudo era especial em “Blood Sugar Sex Magik”. Até mesmo a capa, desenhada por um tatuador a partir de fotografias do festejado diretor indie Gus Van Sant

Sexualmente mágico, docemente sanguíneo: “Blood Sugar Sex Magik” e o Red Hot Chili Peppers no topo do mundo

Daniel Setti

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Após anos chutando na trave, o quarteto californiano finalmente estufou as redes ao encontrar-se com o “professor” Rick Rubin, entregando um disco bombástico e correndo para o abraço das multidões; Trinta anos depois, revisito a sua história, tentando entender porque continua soando tão bem

Em 2021, talvez já não haja tanta gente que saiba. Mas houve um tempo em que o Red Hot Chili Peppers, esta mesma banda que continua na luta, enchendo estádios, mas sem a mesma inspiração de outrora, era a mais legal do planeta. Há duas décadas eles repetem fórmulas e não lançam discos muito relevantes, ainda que renovem seu público — o que é um mérito notável. Porém, sua era dourada, a virada dos anos 1980 para os 1990, quando levaram às nuvens sua peculiar fusão de punk, funk e hard rock, repousa em nossos corações como uma suspirante e eterna memória, cujo ponto mais glorioso é “Blood Sugar Sex Magik”.

Lançado em 24 de setembro de 1991, mesmo dia de “Nevermind”, do Nirvana e “Badmotorfinger”, do Soundgarden — que baita ano para a música –, o quinto trabalho dos californianos cumpre cada miligrama de expectativa criada a partir de “Upflit Mofo Party Plan” (1987), o terceiro item da discografia deles, e que se ampliara dois anos depois em “Mother’s Milk”. “Blood Sugar Sex Magik” chegou ao terceiro lugar da parada norte-americana, emplacou o hit “Under The Bridge” no número 2 da lista de singles, teve 7 milhões de cópias vendidas nos Estados Unidos e um total estimado de 13 milhões no mundo. Garantiu a seus realizadores uma passagem só de ida com destino à primeira classe do mainstream mundial, que então vivia sua inesperada lua de mel com o chamado rock alternativo.

Moleques rodados

Quando, no segundo semestre de 1990, os homens-pimenta começaram a tramar o que viria a ser “Blood Sugar”, já contavam com uma respeitável rodagem: sete anos de estrada, quatro LPs bancados por uma grande gravadora (EMI) e uma certa pós-graduação em conflitos internos, já que cada bolacha havia sido registrada por um line-up diferente.

Presente em todos estavam apenas Anthony Kiedis (nascido em Grand Rapids, Michigan, em 1962), e Michael Balzary (Melbourne, Austrália, 1962, depois apelidado Flea), que se conheceram na escola Fairfax High, em Los Angeles, em 1976. Quem não desgrudava dos dois era o guitarrista israelense Hillel Slovak, que incentivou Mike, então um promissor trompetista enteado de um jazzista, a aprender baixo. Na aurora da década de 1980, os dois se meteram a tocar juntos na banda What Is This (antiga Anthym), cujo baterista Jack Irons era outra cria da Fairfax.

Flea e “Tony Flow” em 1983 (Foto: autor desconhecido)

Anthony, ou Tony, não participou da brincadeira. Estava ocupado em sua rotina doida de sexo, pequenos furtos, invasões a piscinas privadas e o desfrute de todos os tipos de drogas, sempre tendo o fiel escudeiro Flea a seu lado. A dupla chegou a ser presa injetando cocaína, em banheiro de um trem entre L.A. e San Francisco. Quando, em 1983, Kiedis finalmente decidiu se aventurar no microfone, euforicamente influenciado pela primeira geração de rappers, nascia o Tony Flow And The Miraculously Majestic Masters Of Mayhem, que não tardaria em, sensatamente, ter seu nome substituído por outro ainda extenso, mas viável: Red Hot Chili Peppers. Slovak e Irons completavam o time.

Àquela altura, Flea, amante precoce do jazz que por anos esnobou o rock, acumulava experiência como baixista da banda punk Fear e era o retrato humano do zeitgeist daquele início dos anos 1980. Alucinava com as polirritmias dos Talking Heads, adorava hip-hop, desenvolvia uma selvagem técnica de slap inspirada nos baixistas de funk e tinha sucessivas epifanias estético-sonoras, relatadas depois em seu livro “Acid For Children” (2019). Como quando testemunhou, louco de ácido no banheiro do Whisky A Go em 1981, Ian McCulloch passando batom antes de uma performance arrasadora de seu Echo & The Bunnymen.

Ídolos certos, soluções erradas

Foi Andy Gill, um companheiro de geração de McCulloch, o escolhido para produzir “The Red Hot Chili Peppers”, o primeiro LP. Lançado em agosto de 1984, trazia Jack Sherman e Cliff Martínez nos lugares respectivos de Hillel e Jack, que tinham optado por seguir com o What Is This. Mas Gill, guitarrista de uma das entidades do pós-punk britânico, o Gang Of Four, entendeu tudo errado; pasteurizou, de forma ultrajante, o som do quarteto, que ao vivo era uma explosão crua de fúria, caos e groove.

Outro ídolo dos rapazes, o mestre do funk cósmico George Clinton, se encarregou de “Freaky Styley” (1985), álbum mais parrudo, malemolente e que marcava o retorno de Slovak. Mas, talvez perdido entre as montanhas de cocaína que consumiu com os jovens clientes, o genial Clinton falhou em traduzir de forma convincente ao acetato o que então já se reconhecia como “o som dos Chili Peppers”, um encontro fulminante entre punk, funk e rap de ibope cada vez mais sólido no circuito undeground californiano.

A primeira formação, que teve idas e vindas e acabou gravando apenas o bom disco “Uplift Mofo Party Plan” (1987): a partir da esquerda, Flea, Hillel Slovak, Anthony Kiedis e Jack Irons em Minneapolis, EUA, janeiro de 1987 (Foto: Jim Steinfeldt — Michael Ochs Archives/GettyImages)

Esta sonoridade só chegaria perto de ser captada mais ou menos à altura do que se ouvia ao vivo nos dois projetos seguintes, produzidos por Michael Beinhorn (Bill Laswell, Herbie Hancock). Primeiro veio o bom “The Uplift Mofo Party Plan” (1987), único protagonizado pelos quatro membros fundadores, com o retorno de Jack Irons; depois, o ótimo “Mother’s Milk” (1989), que inaugurava o flerte mais sério dos Peppers com o sucesso comercial. Leia-se a aparição no 52º na lista da Billboard, um disco de ouro, três clipes na MTV e uma turnê mais profissional.

No caminho havia a morte

Entre estes dois álbuns, porém, encararam a trágica morte de Hillel Slovak, em 25 de junho de 1988, por overdose de heroína, e a subsequente debandada de um arrasado e assustado Irons (que reapareceria na década de 1990 assumindo as baquetas do Pearl Jam). Não faltou quem decretasse o fim do grupo.

Tudo mudou, só que não. Nem Kiedis conseguiu largar definitivamente as drogas pesadas após a perda do amigo, nem a vontade dele e de Flea de seguir adiante na música diminuiu. Contra todos os prognósticos, “Mother’s Milk”, saideira do contrato com a EMI, promoveu, portanto, a estreia da insuperável formação clássica pepperiana.

O insuperável “line-up” clássico, vigente pela primeira vez em 1988: a partir da esquerda, Chad Smith, Flea, Anthony Kiedis e John Frusciante (Foto: Getty Images)

Além dos dois sobreviventes, compunham o esquadrão agora um menino nova-iorquino de 18 anos chamado John Frusciante (Nova York, 1970) na guitarra e o colossal Chad Smith (St. Paul, Minnesota, 1961) na bateria. Nenhuma outra combinação de integrantes do Red Hot Chili Peppers jamais se aproximaria da química obtida por esta. O melhor ainda estava por vir e eles sabiam.

A mansão

Percebendo que 1991 era o ano da revanche do rock mais alternativo, a gravadora nova, Warner — que deu um jeito de tirar o grupo da Sony no último segundo — , apostou alto na seguinte empreitada de suas recém-recrutadas estrelas, realizando dois sonhos de consumo de qualquer músico.

Frusicante e Flea na mansão (Foto: autor desconhecido)

O primeiro foi a transformação em estúdio-moradia de uma histórica mansão em Hollywood, folcloricamente tida como antiga residência do ilusionista Harry Houdini e sede de uma sessão lisérgica dos Beatles. Entre abril e junho, período das gravações, todos os integrantes — exceto Chad, que ia e voltava diariamente em sua moto — se mudaram para o casarão, numa manobra essencial, segundo Kiedis conta na sua autobiografia “Scar Tissue” (2004), para evitar o efeito degradante da “esterilidade dos estúdios normais”.

Estabeleceram, então, um utópico modus operandi, flagrado com bom gosto e sofisticada edição em “Funky Monks”, documentário do inglês Gavin Bowden (então cunhado de Flea). Em um preto e branco contrastante com o sol hollywoodiano, o filme detalha, sobretudo, a delícia de se ter vinte e poucos anos, viver um pico criativo com sérias perspectivas de êxito e produzir livremente, entre debates sobre pornografia, concursos de flatulência e visitas da pequena Clara, filha de Flea.

“Funky Monks” também retrata bem o hype em torno dos quatro naquele início de 1991, quando eram paparicados por figuras como o beastie boy Adam “Ad-Rock” Horovitz ou o cineasta Gus Van Sant. Autor das célebres fotografias de capa, ilustrada pelo tatuador Henky Penky, Van Sant também cuidou do ensaio do encarte interno e contracapa, uma original fetichização das tatuagens dos integrantes. E sua relação com os Peppers ia além, já que incluiu Flea no elenco de seu celebrado filme “Garotos de Programa”, com River Phoenix e Keanu Reeves. O longa estreou nos Estados Unidos em 27 de setembro de 1991, apenas três dias após a chegada de “Blood Sugar…” às lojas. Pura sincronicidade.

Gus Van Sant clicando uma das tatuagens de John Frusciante (GIF: Pinterest)

O mago

O segundo sonho, e ainda mais fundamental, se realizou com a escalação de Rick Rubin como produtor. Rubin passara a década anterior se gabaritando por um seminal trabalho com hip-hop clássico (LL Cool J, Jazzy Jay); a partir de 1986, se converteu no mago da fusão entre rimas de rap e o peso do rock ao trabalhar com Run-D.M.C. e Beastie Boys, nos respectivos hit-albums “Rasing Hell” e “License To Ill”. No mesmo ano, colaborou com os thrash-metaleiros do Slayer no cultuado “Reign In Blood”, marco zero do que viria a ser sua lendária reputação de guru do ecletismo na indústria musical. Shakira e Johnny Cash engrossariam o seu currículo ao longo dos anos seguintes. Ele já tinha negado convite anterior para trabalhar com a trupe de Kiedis, por causa de sua pecha de drogados.

Barbudaço e sempre zen em seus óculos escuros, o produtor conciliava, de forma tremendamente habilidosa, a autoridade sacrossanta de quem não dá ponto sem nó nas sugestões e o acatamento inegociável das características inerentes ao artista.

Rick Rubin e Anthony Kiedis (Foto: autor desconhecido)

No caso de seu labor com os Peppers, a entropia foi extraordinária. Deixando Anthony, Flea, John e Chad exercerem suas especialidades — a pegada absurda, o suingue bombástico, a coesão instrumental “telepática” — , o guru concentrou seus esforços em captar da maneira mais crua e potente possível toda aquela usina nuclear. Colocou o trio instrumental tocando junto na mesma sala, apenas com Anthony em um quarto mais afastado — por opção própria, já que tinha inseguranças sobre sua voz. Dessa forma, nas 17 faixas de “Blood Sugar” Rubin sepultava a sonoridade dispersamente grandiloquente da segunda metade dos anos 1980 para inaugurar o punch seco, “na cara”, que caracterizaria o rock das primeiras primaveras noventeiras.

Além disso, ele ajudou a moldar arranjos e selecionar faixas, sugeriu barulhinhos e lapidou excessos. A passagem do filme de Bowden em que Rick orienta Flea durante o registro da antológica linha de baixo de “Give It Away” (“não ponha tantas notas”, “dê espaço”) diz tudo. “Rubin tenta manter sua distância emocional e sua objetividade”, elogia o baixinho em outra passagem da película. “Trabalhar com Rick mudou nosso modo de pensar sobre composição”, escreveu Anthony em “Scar Tissue”. “Antes, nosso foco era o ritmo, em oposição à canção, que era onde estava o coração de Rick. Esse álbum combinaria o melhor das duas coisas”. Rubin repetiria a dose nos cinco trabalhos seguintes da banda.

Importantíssimo também foi o papel do engenheiro de som Brendan O’Brien, certeiro ao captar aquela potência toda e discreto ao deixar a fita rodando enquanto a turma experimentava, à vontade, na casona. O’Brien, que logo se firmaria como outro dos maiores produtores dos anos 1990 (Pearl Jam, Black Crowes), ainda tocou alguns instrumentos, inclusive o marcante Mellotron de “Breaking The Girl” e “Sir Psycho Sexy”.

A receita

Tudo isso — casa, produtor bacana, entrosamento, badalação — evidentemente não serviria para muito sem a existência de um repertório impactante. E a quadrilha chegou para as sessões com um autêntico arsenal de canções poderosas que, unificadas pelas condições em que foram gravadas, desprendem uma energia espetacular.

Trecho do clipe “Give It Away”, que rodou à exaustão na MTV

“Give It Away”, primeiro dos cinco singles, saiu três semanas antes do disco. A alta rotatividade na MTV do inesquecível clipe, dirigido pelo badalado francês Stéphane Sednaoui, era um bom prenúncio dos louros que recolheriam. De letra altruísta, baseada em conversa entre Kiedis e a estrela new wave alemã Nina Hagen — com direito a citações a Bob Marley e River Phoenix — , a faixa foi mais uma a surgiu a partir do baixo de Flea, que brilha em cada compasso de “Blood Sugar”.

Cansado dos alucinados slaps epiléticos que lhe renderam fama, o australiano respirou, meditou e apresentou as melhores linhas de sua vasta coleção: calorosas e encorpadas, irresistíveis atualizações da malandragem de Bootsy Collins e outros funkeiros monumentais. “If You Have To Ask” (último single), “The Greeting Song”, “Funk Monks” (a música, não o filme) e, principalmente “Sir Psycho Sexy”, são verdadeiras obras-primas do balanço por sua culpa.

Com seu fôlego, pegada e precisão, Chad sacramentou toda uma escola de beats que já impressionavam desde “Mother’s Milk”. Como escreveu Anthony, ele e John já não eram mais “os novos caras” e se sentiam perfeitamente confortáveis no grupo.

A imagem principal do encarte em CD, nos jardins do casarão (Foto: Gus Van Sant)

O vocalista, por sua vez, aproveitou bem que estava temporariamente sóbrio e mergulhou com afinco na labuta vocal. Foi a última etapa de sua vida em que se influenciou fortemente pelo rap, como atestam “Suck My Kiss”, o terceiro single, e a própria “Give It Away”. Ao mesmo tempo, Kiedis não se saiu nada mal nos trechos em que se propôs a, de fato, cantar (como na bela e intensa “Breaking The Girl”, penúltimo single).

A partir dos álbuns seguintes, ele rumaria progressivamente a esta direção, com resultados cada vez mais discutíveis. Desavergonhadamente tarado — e, frequentemente, obsceno e sexista — nas letras, ele se defende em uma passagem da película: “não temos medo de mostrar nossa sexualidade nas músicas”.

O novo ingrediente

No repertório havia espaço também para comentário social — a impactante track de abertura “Power Of Equality” — , acenos ecologistas (“The Righteous & The Wicked”) e uma linda homenagem a Hillel Slovak tirada da gaveta, “My Lovely Man”. “Sinto sua falta, Magrão, te amo / Meu coração está negro e azul / Quando eu morrer, vou te encontrar”, canta Anthony na última estrofe. Devoto de seu antecessor, Frusciante fez questão de prestar os seus respeitos na gravação da faixa, cravando um riff espetacular e o melhor solo de guitarra do álbum.

Cabia em “Blood Sugar Sex Magik”, ainda, um elemento essencial para compreender totalmente o seu êxito: pela primeira vez, a turma chafurdava no pantanoso território das baladas, incluindo acústicas. Enciumado com a proximidade cada vez maior entre Flea e Frusciante, Kiedis havia composto, enquanto dirigia por LA, uma canção sobre a solidão sentida em seu período mais junkie, quando vagava pelas ruas em busca do próximo pico na veia. Um mês depois, Rick achou a poesia no seu caderno e sugeriu que a gravasse. John não só ajudou a achar os acordes certos para que aquilo resultasse em “Under The Bridge”, como ainda mandou buscar sua mãe Gail e duas amigas para que fizessem os célebres backing vocals que encerram a canção.

O violão foi introduzido no mundo do RHCP apenas neste disco (Foto: YouTube)

Foi o guitarrista, também, que incentivou Anthony a compor “I Could Have Lied”, lullaby desplugada sobre o pé na bunda que o cantor levou de outra musa oitentista, a irlandesa Sinéad O’Connor. A opção pelas canções calmas foi um acerto não só comercial como conceitual. Intercalar um momento suave entre duas ou três pedradas garante o gás para a viagem até o final dos longos 73 minutos e 55 segundos do CD (a edição em vinil era dupla).

Sobrou confiança durante as sessões, a ponto de em várias músicas todos menos Chad se arriscarem nos backing vocals em falsete. Era uma ideia que poderia ter flopado facilmente, mas que funciona muito bem. Tampouco se acanharam em incluir detalhes saborosos, a partir de instrumentos fora do seu cardápio tradicional. Flea resgatou seu trompete para a deliciosa “Apache Rose Peacock”, tocou piano em “Mellowship Slinky In B Major” e, com os outros três, desceu a mão em sucatas de metal para potencializar o desenlace percussivo de “Breaking The Girl”.

Até o material não aproveitado no repertório final era sensacional. Destes bootlegs, “Sikamikanico” e “Soul To Squeeze”, foram utilizados em trilhas de filmes, sendo que o segundo foi hit (22º nos EUA). E um terceiro, o afro-funk instrumental “Fela’s Cock” (tradução: “O Pau de Fela”), bem que poderia ter entrado.

Surta o prodígio

Individualmente, o integrante que mais contribuiu com a mitologia de “Blood Sugar Sex Magik” foi John Frusciante. Durante a feitura do novo trabalho, embora vivesse fase inspiradíssima, canalizando como nunca espectros de entidades como Jimi Hendrix e Eddie Hazel, Frusciante já dava indícios da confusão mental e do sentimento de alienação ao jet set que o fariam pular do barco.

“Funky Monks” mostra como o guitarrista, ainda um rapazote de 21 anos, já ia se enveredando por campos mais melódicos e psicodélicos, ao esboçar as primeiras de suas célebres composições solo ainda na mansão. Ao mesmo tempo, se distanciava gradualmente dos companheiros, se trancando no quarto e entregando falas paranoicas sobre inimigos, ereções, ego e morte. Anthony, que em “Scar Tissue” admite ter feito muito bullying com John naquele período, aparece mais de uma vez cortando a onda do caçula no filme.

Considerando a situação dos Peppers naquele momento, parecia que nada tinha como dar muito errado. A turnê de divulgação teve nomes como Smashing Pumpkins, Pearl Jam e até o próprio Nirvana como atrações de abertura. Mas, com Flea deprimido e medicado por causa de uma separação, as tensões entre Frusciante e Kiedis se intensificaram e o guitarrista passou a abusar de álcool e maconha, além de se viciar em heroína. Em 22 de fevereiro de 1992, sabotou a olhos vistos a execução de “Under The Bridge” no programa “Saturday Night Live”, emputecendo o vocalista diante de milhões de telespectadores.

Frusciante: “bad trip” batendo à porta (Montagem: Pinterest)

Finalmente, John pediu para sair antes de um show no Japão, em 7 de maio de 1992, concordando em tocar naquela noite a duras penas e obrigando os companheiros a cancelarem várias apresentações na Austrália. Perderia, entre outras muitas coisas, a oportunidade de vir ao Brasil, no Hollywood Rock de janeiro de 1993, quando o grupo, já com Arik Marshall em sua vaga, tocou até com a bateria nota 10 da Mocidade Independente de Padre Miguel.

Uma das cenas finais do documentário de Bowden, em que o menino prodígio recolhe as tralhas para deixar a casa, afirmando que “nunca levei nada tão a sério, nem me orgulhei tanto de nada que já fiz em minha vida”, funciona como um triste prólogo para a fase seguinte de sua vida. Naqueles sombrios próximos anos, ele se afundou na mesma droga que matou Hillel e manteve Anthony no cabresto por muito tempo, adquirindo a aparência de um zumbi esquelético de olhos alucinados. Não esteve longe de morrer. Seu legado no disco, no entanto, é colossal: de solos fabulosos como os de “Mellowship” às palhetadas maravilhosamente dançantes de sua Fender Stratocaster em “Funky Monks”, passando pelos delicados acordes de “Under The Bridge”.

O Red Hot Chili Peppers tocaria a vida adiante sem ele até 1998, e depois disso entre 2009 e 2019, contando com exímios guitarristas como Dave Navarro e Josh Klingoffer. Mas o sorriso só voltaria a abrir plenamente nos rostos de Chad Smith, Flea e Anthony Kiedis nos dois retornos de John Frusciante à formação. O último deles, aliás, confirmado em meio à pandemia de 2020.

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